Os deputados Rui Falcão, Vicente Cândido e Carlinhos de Almeida (PT-SP), da Comissão de Ciência e Tecnologia, propuseram na Assembléia Legislativa a sustação de dois decretos do governador José Serra, considerados inconstitucionais e atentatórios à autonomia universitária. São eles os decretos nº 51 461 e nº 51 460, ambos de 1º de janeiro de 2007.
De acordo com os deputados petistas, o decreto 51 461, ao criar a Secretaria do Ensino Superior e estabelecer uma hierarquia que privilegia a pesquisa operacional – de cunho eminentemente mercantil -, em detrimento da pesquisa básica, contraria a Constituição Federal, que garante “tratamento prioritário” à pesquisa científica básica “tendo em vista o bem público e o progresso das ciências”.
Esse mesmo decreto determina que o secretário de Ensino Superior seja o presidente do Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais do Estado de São Paulo, subordinação que, no entendimento dos deputados, destitui os reitores e conselhos universitários das prerrogativas de ditar as diretrizes das universidades, de coordenar a contratação de pessoal, fixar metas e métodos de pesquisa e a competência para alocação de recursos financeiros, usurpando, sem qualquer mitigação, a autonomia universitária prevista nas Constituições Estadual e Federal.
Apoiados em parecer do jurista Dalmo Dallari, os autores da proposta observam, como justificativa, que “pelo próprio conceito de autonomia, como foi consagrado no sistema constitucional brasileiro, assim como pelas disposições expressas das Constituições da República e do Estado de São Paulo, cabe à universidade, exclusivamente e sem qualquer interferência externa, definir suas prioridades e suas diretrizes. Isso implica, também, a competência exclusiva da universidade para definir suas atividades de estudo e pesquisa, sem nenhuma interferência, a qualquer título, de órgãos da administração pública estadual. Por esse ponto fica evidenciada a inconstitucionalidade do decreto estadual n.º 51.461, de 1º de janeiro de 2007, que pretendeu dar à Secretaria de Ensino Superior uma série de atribuições que são exclusivas da universidade, porque inseridas no âmbito de sua autonomia”.
Diferentemente do entendimento do jurista, o artigo 2º do decreto diz que constitui o campo funcional da Secretaria de Ensino Superior “a proposição de políticas e diretrizes para o ensino superior em todos os níveis.” Como observa Dallari em seu parecer, “a própria criação da Secretaria de Ensino Superior configura uma inconstitucionalidade, que é agravada pela atribuição àquela Secretaria de funções exclusivas da universidade e que esta tem o direito de exercer com autonomia”.
Segundo os autores da solicitação de sustação dos decretos de Serra, a investida do governador contra a autonomia universitária chega às raias do absurdo, ao permitir uma interpretação que desloca a autonomia administrativa das universidades quando estabelece como atribuição da chefia de gabinete a produção de informações que sirvam de base à tomada de decisões, ao planejamento e ao controle das atividades.
“Pelo artigo 11, o governador, por meio de seu secretário do Ensino Superior, se atribui o direito de ingerir diretamente na administração de pessoal das universidades, afirma Rui Falcão. “Já o artigo 18 cria o Centro de Administração com incumbências financeiras e administrativas, dispondo, também sobre a administração do patrimônio. O artigo 20 revela ‘uma inconstitucionalidade gritante’, segundo expressão do jurista Dallari, ao criar a Unidade de Coordenação do Planejamento e Avaliação, ‘praticamente acabando com a autonomia universitária, com a transformação de toda complexidade de valores acadêmicos em uma simples sala de aula, sem qualquer ingerência sobre qualquer assunto financeiro e administrativo’ “.
Os deputados da bancada petista protocolaram também junto à mesa da Assembléia Legislativa pedido de sustação de parte do decreto nº 51 460, que dispõe sobre alterações de denominação da Secretaria de Turismo para Secretaria de Ensino Superior e estabelece a vinculação das universidades estaduais à nova secretaria.
Na justificativa, os autores da proposta afirmam que “se denota ilegalidade na criação da Secretaria do Ensino Superior, uma vez que não houve uma simples alteração da denominação, mas se criaram competências diferentes e estruturação administrativa totalmente diversa da Secretaria que foi substituída”.
Com base em parecer de Dalmo Dallari, os deputados afirmam que “a pretensa mudança de nome é uma aberração mais do que óbvia, pois o nome identifica toda uma estrutura, criada para atingir objetivos determinados e organizada para atingir essa finalidade. É do mais elementar bom senso que, tendo sido criada para fomentar o turismo, aquela Secretaria foi organizada de modo a poder atuar na área do turismo, com órgãos adaptados às características dessa área e, obviamente, com um funcionalismo especializado nesse setor de atividade. Se o Governador alega que vai aproveitar a mesma organização e os mesmos funcionários estará afirmando um absurdo, pois ninguém será tão tolo a ponto de admitir que o mesmo dispositivo criado para atuar no turismo será competente e eficiente para desempenhar atividades de apoio e fomento à Educação Superior. E se disser que haverá completa alteração da estrutura organizacional e substituição do funcionalismo por outro capacitado para agir na área
da Educação Superior, criando-se os cargos indispensáveis para tanto, estará confessando a fraude, a extinção de uma Secretaria e a criação de outra sob o simulacro da mudança de nome. Isso, além de tudo, configura uma inconstitucionalidade em face da Constituição do Estado de São Paulo”, afirmam os deputados do PT na sua justificativa.
“Vincular a Universidade ao Estado de forma absurda, ilegal, inconstitucional caracteriza uma irregularidade de desvio de poder e afronta o Estado Democrático de Direito”, diz o deputado Rui Falcão. “Não se trata apenas de uma simples ilegalidade ou abuso, mas sim de uma maneira de usurpar o poder conferido pela democracia, transformando o Estado em uma autocracia dirigida pela vontade única do governador”, conclui.
“É princípio de qualquer País democrático não só respeitar, mas até fortalecer a autonomia universitária. O saber não pode ser controlado de maneira alguma pelo governante de plantão. Lutamos muito no Brasil recente para preservar essa autonomia e agora, em pleno regime democrático, não podemos correr o risco de um retrocesso”, afirma o deputado Vicente Cândido.
“O modo tucano de ‘governar’ a educação tem trazido sérios prejuízos a todos os segmentos envolvidos e afronta as normas constitucionais. Estes decretos recentemente apresentados vão nesta mesma linha de pensamento e nós, deputados do PT, decidimos propor, por intermédio deste projeto, a sustação destas medidas governamentais, visando garantir a sagrada autonomia universitária”, afirma Carlinhos Almeida.