Esquema desvia R$ 40 mi do Detran

30/11/2009 14:00:00

Desgoverno Serra

 

 

Pagamentos de contratos para emplacar carros seriam superfaturados em 200%; laranjas controlam empresas

Empresas contratadas pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para emplacar veículos em São Paulo são acusadas de fraudes que deram prejuízo estimado de pelo menos R$ 40 milhões. Delegados e empresários são suspeitos de participar do suposto esquema milionário. Laranjas controlariam a principal empresa contratada pelo departamento.

A fraude principal seria o superfaturamento de até 200% da medição dos serviços contratados. Ela envolveria centenas de Circunscrições Regionais de Trânsito (Ciretrans) de São Paulo – o Estado tem 344. O esquema era simples. As Ciretrans enviavam todo mês ao Detran um documento atestando que a empresa emplacara mais carros do que havia efetuado. O atual diretor do Detran, Carlos José Paschoal de Toledo, suspendeu os pagamentos nos últimos três meses e constatou que as empresas deviam receber só um terço do que pleiteavam. Passou a pagar só o que devia.

Os pagamentos a mais eram feitos sem que os gestores dos contratos – alguns deles carcereiros – confrontassem a prestação de contas das empresas com os registros de veículos emplacados nas Ciretrans. Eram as prestações de contas das empresas que serviam de comprovação para a liberação dos pagamentos pelo governo. Quem mandava pagar com base nesse documento era a Divisão de Administração do Detran.

O esquema começou a desmoronar quando o presidente da Associação dos Fabricantes de Placas de Automóveis, Hélio Rabello Passos Junior, denunciou o caso à Secretaria da Segurança Pública em 3 de julho. O titular da pasta, Antônio Ferreira Pinto, determinou a apuração. Passos Junior afirmava a existência de irregularidades no cumprimento dos dez contratos do Detran com as empresas Cordeiro Lopes e Centersystem – elas negaram as acusações. As empresas assinaram em 2006 os contratos com o Detran depois de vencerem licitação oferecendo o menor preço.

Deveriam fornecer a placa comum por R$ 2,2 em São Paulo (Centersystem) e R$ 4,5 no restante do Estado (Cordeiro Lopes). E aí é que começavam os problemas. Os valores são, segundo Passos Junior, inexequíveis, pois abaixo do preço de custo fixado por laudo da Universidade de São Paulo (USP). Como as empresas conseguiam fornecer placas por esse preço? Segundo Passos Junior, por meio de uma série de fraudes. Ao depor na Corregedoria da Polícia Civil, ele enumerou 14 tipos delas que, somadas, teriam causado prejuízo em R$ 40 milhões – a Centersystem recebeu R$ 9 milhões pelos serviços de janeiro de 2008 a julho deste ano e a Cordeiro, R$ 64,8 milhões.

O empresário relata que já havia batido em muitas portas para contar o que sabia, inclusive na do então diretor do Detran, delegado Ruy Estanislau Silveira Mello, para que práticas abusivas e ilegais cessassem. “Mas nada foi feito. O Detran decidiu prorrogar tais contratos, contrariando novamente os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência”, afirmou, ao depor. Mello diz que mandou apurar tudo e informou os superiores.

OSASCO

Um mês depois de o empresário fazer a denúncia, assumiu a Ciretran de Osasco o delegado Gilberto Barbosa da Silva. Logo no primeiro mês no cargo, o delegado foi conferir a prestação de contas da Cordeiro Lopes. Esta dizia ter direito a receber R$ 277,7 mil pelos serviços de lacração em junho, referentes a 13.590 veículos emplacados.

“Todavia, a Ciretran de Osasco expediu para lacração 4.007 documentos, constatando-se uma diferença a mais de 9.853 casos”, diz relatório do delegado. Só naquele mês, a empresa teria recebido R$ 200 mil a mais. Em junho, a Cordeiro havia dito que tinha R$ 346 mil a receber. “A realidade a receber gira em torno de R$ 80 mil.” Haveria também nesse mês um superfaturamento na medição do serviço de cerca de R$ 260 mil.

Diante disso, o delegado informou os chefes e o Detran. A iniciativa ajudaria a formar a crise que levaria à mudança da direção do Detran – Mello foi substituído em outubro no cargo por Toledo. Ao depor, o delegado Silva contou que foi procurado por representantes da Cordeiro Lopes que “insistiam em convidá-lo para um almoço”. Uma funcionária da empresa disse que ele “não sabia a força que eles tinham”. “Apesar de todas essas intimidações, estou com a consciência tranquila, pois fiz o que era meu dever.”

Departamento estava ciente, diz empresária

 

A dona oficial da empresa Cordeiro Lopes & Cia. Ltda., que recebeu R$ 64,8 milhões do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para emplacar carros, Vilma Pereira Araújo, de 54 anos, mora em uma casa simples, alugada em nome do marido, Nilton Gomes de Araújo, de 50, no Jardim Japão, zona norte. O casal se mudou para ali ao deixar o apartamento que ocupavam na Cohab de Parada de Taipas, também na zona norte.

Suspeita de ser laranja, ao depor em 5 de novembro na Corregedoria da Polícia Civil para o delegado Luiz Antônio Rebello, Vilma negou que a empresa fraudasse as prestações de contas de serviços enviadas ao Detran. “Nenhuma cobrança efetuada foi feita sem a ciência do Detran, mais precisamente de seus diretores, drs. Ivaney e Ruy.”

Vilma se refere aos delegados Ivaney Cayres de Souza, diretor do órgão de 2005 a 2007, e Ruy Estanislau Silveira Mello, diretor de 2007 a outubro de 2009 – Mello diz que isso nunca ocorreu em sua gestão nem na de Cayres.

O que a dona oficial da empresa contou revela não uma fraude, mas um descontrole administrativo gigantesco no órgão. Segundo ela, um diretor de Ciretran que “lacrava cem veículos por mês solicitava 2 mil placas à Cordeiro Lopes para ficar no estoque. Utilizadas cem placas, as outras 1.900 após 30 dias eram descartadas.” Viravam sucata encaminhada ao Fundo de Solidariedade do governo.

O marido afirmou não se meter nos negócios, mas confirmou que Vilma era a dona da empresa desde maio, conforme consta na Junta Comercial do Estado – ela teria 95% da Cordeiro Lopes. À corregedoria, ela se negou a dizer quanto retirava por mês e com que recursos comprara a empresa. Relatório da corregedoria mostra que a Cordeiro Lopes recebeu R$ 29,1 milhões neste ano até julho, quando a fraude foi denunciada, e R$ 35,6 milhões em 2008.

Vilma confirmou conhecer o empresário Humberto Verre, dono da Casa Verre, “com quem trabalhou durante 20 anos”. A Casa Verre é investigada desde 1997 pelo Ministério Público Estadual porque era contratada para fazer placas para o Detran sem licitação e por meio de emergência – a situação provocou a queda, em 2005, do então diretor do Detran, José Francisco Leigo. O dono da Verre, segundo Hélio Rabello Passos Junior, da Associação dos Fabricantes de Placas, “pôs todo o aparato necessário à fabricação de placas, inclusive funcionárias, à disposição da Cordeiro Lopes”.

“TEM COISA ERRADA”

Confrontado pelo Estado com o faturamento da empresa da qual Vilma, sua mulher, é oficialmente sócia desde maio, Araújo disse : “Tem coisa errada aí”. Afirmou que nunca viu a cor do dinheiro. “É muito dinheiro. Alguém tá comendo esse dinheiro aí e não sou eu.” Se tivesse os milhões da Cordeiro, Araújo contou que compraria uma casa em Campina Grande (PB) e outra de praia em João Pessoa (PB). “Nem casa própria tenho.”

A reportagem deixou cartão com telefone para que Vilma telefonasse. Procurou-a ainda na sede da Cordeiro Lopes, na zona leste. Ali foi informada que ela não estava. Também deixou contato, mas não obteve resposta. Os contatos foram gravados. Ao depor na corregedoria, Vilma se fez acompanhar por dois advogados com escritório nos Jardins, na zona sul de São Paulo. O Estado telefonou para os dois, mas eles não se manifestaram.

Os outros 5% da empresa pertenceriam a Lucia Aparecida Lopes da Silva, que mora em São José (SC). É ali, na sala lateral 3 do número 110 da Avenida Josué Di Bernard, que devia ficar a sede da Cordeiro Lopes. No lugar existe a empresa Cordeiro Placas. Lucia contou que pouco sabe dos negócios, pois quem cuida deles é seu marido, Valdemir. Relatório da corregedoria mostra que a Cordeiro Lopes recebeu R$ 29,1 milhões neste ano até julho, quando a fraude foi denunciada, e R$ 35,6 milhões em 2008.

fonte: O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde – 30/11/2009

 

 

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