Sem reforçar checagem
Sem reforçar checagem, governo Alckmin pode incentivar denuncismo
Governo Alckmin incentiva denúncias com recompensa, mas não reforça checagem. Especialistas afirmam que pagamento de gratificação de até R$ 50 mil só terá sucesso se for acompanhado por sigilo total e apuração prévia que evite denuncismo
O incentivo a denúncias sobre crimes com pagamento de recompensas, anunciado este mês pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não foi acompanhado por um reforço das equipes que fazem a triagem das informações passadas pelos cidadãos, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo. Especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual apontaram a medida como essencial para que a iniciativa dê resultados positivos.
Atualmente, o Estado já tem um serviço que permite que cidadãos colaborem com investigações policiais e façam reclamações criminais, o Disque Denúncia, administrado pelo Instituto São Paulo Contra a Violência, uma organização da sociedade civil de interesse público.
Segundo a SSP, 100 pessoas fazem parte da equipe de triagem, mas a maioria é de funcionários civis do instituto, que recebem as ligações e as transmitem para as polícias Civil e Militar. No ano passado, o serviço recebeu 150.107 denúncias e um número ainda maior de ligações, o que inclui trotes e questões não criminais. Com o aumento da facilidade para se fazer denúncias via internet pelo preenchimento de formulários e ainda o apelo financeiro do pagamento de recompensas, que podem chegar a R$ 50 mil, deve crescer o número de informações passadas ao serviço e a necessidade de critérios de checagem.
Por trás de um site, é preciso ter toda uma infraestrutura. O governo também tem que arregaçar as mangas, porque o site em si tem um custo baixíssimo. Ele não pode simplesmente transferir o ônus para o cidadão, afirma a professora de Direito da Universidade Cândido Mendes Jaqueline Muniz, especialista em segurança e cidadania.
Segundo a pesquisadora, as denúncias podem tornar a investigação mais eficaz, mas não menos trabalhosa para os órgãos de segurança pública. Para o mesmo crime, você pode ter infinitas denúncias. O policial não sai só `na boa`. Isso otimiza, mas não reduz o trabalho policial. Cada cidadão que procura colaborar tem um fragmento de história, mas vai caber à polícia o trabalho substantivo de investigação, diz. É como se a população estivesse dando mais trabalho para a polícia.
Jaqueline fez uma das primeiras avaliações do Disque Denúncia do Rio de Janeiro, e o considera bem-sucedido. Ela explica que, quando o serviço surgiu, a ideia era aumentar a participação da população nas políticas de segurança pública, deixando claro que a questão não era um problema da polícia, mas de todos. Entre as razões que garantiram esse sucesso está a credibilidade das entidades que mantêm o serviço, o sigilo total a respeito da identidade de quem colabora e a massificação de campanhas a respeito dos crimes para os quais se oferece recompensa. Não se trata de um X9, é um cidadão responsável que vê uma campanha e sente que pode colaborar, afirma.
Para a coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Patrícia Nogueira, é preciso se perguntar por que pagar por uma ajuda que vem de graça pelo Disque Denúncia. É um serviço que funciona incrivelmente bem. As pessoas ligam muito.
Além disso, ela acredita que é preciso observar se o pagamento de recompensas não tem como consequência uma mudança na lógica do cidadão responsável, que colabora com a investigação apenas por boa vontade. O pagamento pode mexer na lógica do serviço. Será que vai ter diminuição de colaboração em crimes variados e a participação será mais focada nos que vão ter recompensa?, questiona.
Para as duas especialistas, no entanto, como produzirá custo, dificilmente o sistema acarretará em denuncismo, já que, para pagar a gratificação, a polícia terá de justificar a ligação entre as informações e a conclusão do caso.
Contudo, para o presidente do Sindicato dos Delegados do Estado, George Melão, há a possibilidade de uma consequência grave: policiais deixarem de usar informações durante o período de trabalho para obter as recompensas. Infelizmente, pode acontecer. Não estamos impunes a isso, garantiu.
Para ele, a iniciativa é mais uma demonstração da falência das políticas de segurança pública da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB). Ele reconhece que a segurança não é eficiente, por isso precisa tomar essas ações desesperadas. Temos receio dessas recompensas. Primeiro, porque no Rio de Janeiro, segundo informações que temos, isso foi um dos fatores preponderantes para o crescimento das milícias, justamente porque os policiais mal intencionados passavam as informações para terceiros para que eles fizessem as denúncias e depois dividissem o dinheiro, explica.
fonte: Rede Brasil Atual