Megablitz na favela Pantanal foi marcada por ilegalidades

08/03/2005 21:50:00

A declaração de guerra contra o crime organizado feita pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, mostra sua perversidade e violência contra os pobres. O tratamento discriminatório não é novidade, mas o tamanho da operação policial contra pessoas e residências reitera e comemora a insanidade do tratamento desigual.
A “megablitz”, organizada pela Polícia Civil e levada a cabo na favela Pantanal, é considerada a maior operação da história da polícia paulistana: envolveu 1200 homens, foram vistoriados 3.871 “locais” (leia-se domicílio), 2.126 veículos e 2.210 pessoas. O resultado foi pífio, apreensão de 18 armas, 15 pessoas presas e 3 supostos cativeiros descobertos.

O que chama a atenção é saber a legalidade desta invasão. Quantos mandados judiciais tinha a polícia para adentrar em tantos lares? Qual seria o resultado da mesma operação em Higienópolis ou nos Jardins (bairros da classe alta de São Paulo)? Com certeza armas, dólares suspeitos, drogas, entre outras ilegalidades de maior vulto, seriam descobertos em maior quantidade. Porém, resta lembrar que jamais uma operação desse porte ocorrerá nestas regiões nobres da cidade. A hipocrisia e o preconceito julgam que nessas áreas moram só pessoas de bem, que devem ter seus direitos de cidadãos respeitados. No outro lado da realidade econômica, moram os pobres, suspeitos em potencial, com seus direitos relativizados pelo pragmatismo do preconceito. A cidadania não os alcança.

A ausência do Estado nesses campos, onde a pobreza é pai e mãe, é substituída por uma operação de guerra civil, onde o cidadão pobre é tratado como marginal perigoso, seqüestrador ou terrorista. A injustiça social mostra mais uma vez que é o centro do problema de segurança pública, quando no mesmo território as instituições só fazem valer sua lei para certa camada da população.

A busca coletiva permite uma interferência da polícia de forma isolada, numa tentativa exibicionista de mostrar trabalho. Essa operação não traz aos contribuintes da favela Pantanal nenhuma segurança, que só poderia se consolidar com ações permanentes, ou como bem explicou o coronel José Vicente, do Instituto Fernand Braudel, “você coloca ordem num local complexo, que tem problemas crônicos de violência, com uma atitude cotidiana, e não com uma operação eventual”.

Há uma semana, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, indignou-se publicamente, a ponto de mais tarde romper uma das mais sólidas alianças da era Fernando Henrique Cardoso. O motivo foi o fato de não ter sido “avisada” da busca e apreensão feita em sua empresa. Essa busca foi realizada com mandado judicial específico, ou seja, foi uma operação realizada na mais estrita legalidade. Imaginem se ela tivesse recebido o tratamento de uma Roseana de tal, moradora da favela Pantanal.

O art. 240 do Código de Processo Penal é cristalino quando classifica a busca e apreensão: “a busca será domiciliar ou pessoal”. Em momento algum abre-se espaço para a busca coletiva. Imagine que você, leitor, está em sua casa tomando um café, lendo seu jornal, e de repente 1.200 homens armados invadem seu bairro, sua casa, reviram suas gavetas e armários, entram no seu banheiro, revistam você e também a seus familiares. Porque é assim, você é suspeito e pronto, para colmatar, a polícia precisa mostrar seu poder de articulação. Foi isso exatamente o que aconteceu na favela Pantanal. Infelizmente acontece com freqüência nas favelas brasileiras, causando o esgarçamento da coesão social.

A defesa do mandado de busca e apreensão coletivo em nada se justifica, é uma aberração dos pastores da violência do Estado, é a prova concreta da desinteligência da polícia, é a falência da polícia investigativa. O mandado coletivo que atingiu a favela Pantanal autorizava a entrada em 10 mil residências. E quantas residências existem na Av. Angélica? É bom manter viva a comparação crítica.

Não sei quais fundadas razões autorizaram o mandado coletivo, mas a sua existência, por si só, já é uma ilegalidade. Se ainda persiste a controvérsia da legalidade da busca pessoal sem mandado, quando não presentes a autoridade judicial ou o delegado de polícia, imaginem termos de discutir uma invasão cega a dez mil domicílios.

O art. 243 do CPP é restritivo e claro: “o mandado de busca deverá indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou , no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la, ou os sinais que a identifiquem”. Eis aí porque não se sustenta uma ordem judicial de busca coletiva. Ela não existe, é ilegal, preconceituosa, discriminatória, injusta e, portanto, não compatível com o ordenamento jurídico pátrio.

É impressionante notar a forma como a imprensa tratou com naturalidade essa operação. O terrorismo estatal com sua ilegalidade já não surpreende quando as vítimas são pobres, principalmente quando o “fim” da busca é garantir a “paz” (pasmem) social. O mesmo tratamento se dá com a dimensão como é tratada as centenas de execuções de pobres em chacinas e a morte de pessoas que integram o escalão superior deste desastre que se constitui a realidade social brasileira.

As ideologias de segregação social, étnicas, raciais, religiosas ou de classe têm origem na não identificação do outro como igual. No caso dos moradores da favela Pantanal, eles não são iguais para o juiz que decretou o mandado coletivo, uma vez que até hoje, na recente história do instituto, nunca foi sugerido que o mesmo fosse utilizado nas zonas onde a cidadania é tangenciada.

A casa é asilo inviolável do indivíduo, é o que comanda o art. 5º, XI, da Constituição Federal. Ninguém nela pode penetrar, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial, desde que suficientemente motivada.

O art. 246 do CPP, por sua vez, dispõe sobre a busca em habitação coletiva, expresso em singular, uma habitação coletiva, não restando o menor espaço para analogias. A casa pode ser coletiva, o mandado de busca jamais, muito menos para atingir o universo de dez mil casas.

Não se pode esperar um combate sério ao crime organizado quando o próprio Estado, representado pelo seu Poder Judiciário e suas Polícias, que deveriam garantir a lei, não apenas não o faz adequadamente, como o faz de forma tão dispare, como o mandado de busca na empresa Lunus, de propriedade de Roseana Sarney e seu marido, e na favela Pantanal. O primeiro teve o tratamento “especial” do Poder Judiciário, o segundo será em breve esquecido, o que só prova o fascismo social imperante em nosso país.

Jorge Arzabe é repórter do site www.cartamaior.com.br e estudante de Direito na USP

 

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