Crise da água
ONG prevê plantio de 1 milhão de mudas para iniciar recuperação do Cantareira
Um milhão de mudas para o Sistema Cantareira. É a proposta de um novo programa lançado nesta semana pela ONG Fundação SOS Mata Atlântica, cujo objetivo é iniciar um processo de reflorestamento para de fato começar a recuperar os reservatórios que fazem parte do maior sistema de abastecimento hídrico da América Latina, atualmente responsável por prover água a 6,5 milhões de pessoas em São Paulo.
“Quando falamos da seca, os governantes sempre batem na tecla das grandes obras, das transposições, das construções de mais sistemas e reservatórios. Talvez essas ações sejam necessárias, mas precisamos começar cuidando do que já existe”, diz ao iG Rafael Fernandes, coordenador de Restauração Florestal da ONG. “Tratamos muito mal a água no Brasil. Toda cidade do País tem um riozinho ou um córrego que normalmente está poluído. Temos de mudar isso.”
O projeto bate de frente com todos os discursos enaltecidos pelo governo paulista e pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) ao longo do ano para justificar a crise atual. Segundo eles, somente a falta de chuvas em 2014, já prevista desde o ano passado, seria a responsável pela ausência de água na região. Não que ela não tenha sua parcela de culpa, mas o fato de os primeiros temporais de novembro não terem tido capacidade para controlar a queda do Cantareira e de outros sistemas provou que a recuperação dos reservatórios vai muito além da pluviometria.
Qualquer proprietário de 1,5 hectare a 30 hectares de terra pode se inscrever até 15 de janeiro, quando as propostas serão avaliadas para apontar os escolhidos.No Estado de São Paulo, fazem parte do programa Bragança Paulista, Caieiras, Franco da Rocha, Joanópolis, Mairiporã, Nazaré Paulista, Piracaia e Vargem.
“A comunidade científica é unânime em ressaltar a necessidade de um mínimo de mata nativa em propriedades de Áreas de Preservação Permanentes
“Nova York também passou por um problema de abastecimento recentemente e em vez de fazerem reservatórios ou outras obras paliativas, como o governo paulista tem feito, a cidade investiu na proteção das áreas das nascentes que já a abasteciam. E é o que precisamos fazer.”
A ideia do projeto é recuperar aproximadamente 400 hectares de mata nativa no entorno dos reservatórios do sistema, o que, segundo a fundação, promoveria a conservação de 4 milhões de litros de água por ano. Parece pouco para a capacidade total de armazenamento de 1 trilhão de litros de seus cinco reservatórios, mas seria um bom começo para um conjunto de bacias que já perdeu cerca de 80% de sua cobertura florestal nativa e que a cada dia possui menos água para armazenar. Hoje, de acordo com a ONG, restam apenas 48,8 mil hectares de verde na região do sistema 21,5% da área de Mata Atlântica original.
Para isso, foi aberto um edital para que os interessados em promover reflorestamento em suas propriedades enviem propostas à ONG explicando como realizarão os plantios e como cuidarão deles. Áreas de nascente ou próximas a corpos d`água ganham pontuação maior na seleção.
A partir de dezembro de 2015, os escolhidos receberão monitoramento anual que apontará como está a evolução dos plantios. Espera-se que dentro de três anos todas as áreas plantadas já estejam cobertas de verde, com “cara de floresta”, como define o coordenador da ONG. Se após o período as ações forem classificadas como bem conduzidas, haverá bonificação aos proprietários que vai de R$ 1,2 mil a R$ 8,6 mil. Todas as mudas a serem plantadas um total de 1 milhão a um custo de R$ 2 milhões serão doadas pela fundação aos contemplados.
“As autoridades enganam ao não revelar que a crise tem muito mais a ver com a falta de gestão ambiental do que com a estiagem”, afirma Adacto Ottoni, professor do Departamento de Engenharia Sanitária e de Meio Ambiente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “Reflorestar é amplamente mais barato do que qualquer obra programada, qualquer projeto de reuso do recurso, além de essencial em longo prazo. Só falta vontade política.”
Por David Shalom iG São Paulo