Polêmica sobre as APPs divide Conama e ambientalistas

30/07/2005 21:50:00

Brasília – A polêmica em torno da discussão sobre a liberação de atividades degradantes em Áreas de Proteção Permanente (APPs) está virando um nó cada vez mais difícil de desatar. Reunido esta semana em Brasília, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) decidiu suspender as discussões sobre a resolução, aprovada pelo conselho em maio, que regulamenta a realização de atividades com impacto ambiental – como supressão de vegetação e até mesmo mineração – em áreas como nascentes, beiras de rios e lagos, topos de morros, encostas íngremes, manguezais, brejos, dunas, escarpas e restingas.

O Conama decidiu suspender as discussões depois que o ministro Nélson Jobim, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar, solicitada pelo Ministério Público Federal, invalidando o segundo artigo da Medida Provisória 2166/01, que altera o Código Florestal Brasileiro e trata das APPs. Segundo esse artigo, caberia ao Conama e aos órgãos ambientais estaduais e municipais a decisão sobre eventuais intervenções nas áreas protegidas. Com a decisão do STF, se torna necessária uma legislação específica, a ser criada no Congresso, para regulamentar a realização de atividades com impacto ambiental nas APPs. Enquanto a decisão final não é tomada, estão suspensos todos os processos de licenciamento para atividades em APPs em curso no país.

O Ministério do Meio Ambiente já avisou que vai recorrer da decisão do Supremo, e o Conama decidiu interromper as discussões até que a liminar concedida por Jobim seja julgada. Enquanto isso, atendendo a pedidos das ONGs, novas rodadas de discussões sobre o tema serão realizadas nos estados. A interrupção, na verdade, veio bem a calhar para o conselho, pois a resolução sobre as APPs enfrenta a oposição de parte do movimento ambientalista brasileiro e recebeu mais de cem emendas de diversas entidades. A resolução aprovada determina que as atividades degradantes podem ser realizadas desde que consideradas pelo Conama como sendo de utilidade pública, interesse social e baixo impacto, numa formulação considerada muito abrangente pelos críticos. Outra queixa dos ambientalistas diz respeito à liberação de atividades de mineração, consideradas altamente impactantes para o meio ambiente.

“Ao propor uma resolução que pretende regulamentar situações de exceção nas quais será permitida a supressão de vegetação e realizações de intervenções em APPs, o que o Conama está fazendo de fato é o estabelecimento de regras de grande abrangência, que só promovem a degradação ambiental”, avalia Carlos Bocuhy, que é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM) e membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo. Entre as partes da resolução que são muito vagas e podem ser interpretadas de forma a aumentar a degradação, segundo os ambientalistas, está a expressão “atividades de baixo impacto”: “A questão do baixo impacto é apresentada por meio de uma lista de atividades pré-estabelecida, quando este enquadramento depende de muitos fatores que podem mudar caso a caso. É muita subjetividade colocada à disposição de um sistema de avaliação e decisão extremamente frágil e precário”, critica Bocuhy.

Mineração é a grande vilã
Causa também grande preocupação nos ambientalistas a possibilidade de realização de atividades de mineração nas APPs. Desde que a resolução foi aprovada pelo Conama, em maio, uma onda de protestos se espalhou pelo país. No Rio, o movimento de ecologia social Os Verdes lançou um manifesto e abaixo-assinado contra a mineração nas áreas de proteção permanente. Em São Paulo, o Coletivo de Entidades Ambientalistas fez o mesmo e o repúdio à resolução do Conama se tornou nacional: “A mineração é uma atividade essencialmente degradante e, no caso das APPs, é estimado que cerca de 80% das áreas a serem exploradas se localizam perto de nascentes”, afirma Aline Chaves, do núcleo jurídico dos Verdes.

André Lima, que faz parte do Instituto Socioambiental (ISA) e é membro do Conama, concorda que a questão é polêmica: “Admitimos a controvérsia jurídica de que a mineração possa ser reconhecida como de utilidade pública estatal, pois os minérios constituem bens de domínio da União, portanto, são bens públicos cuja exploração deve se dar, como diz a Constituição Federal em seu artigo 176, no interesse nacional. Porém, também é verdade, e verdade objetiva, que a água é um bem público socioambiental de interesse difuso de altíssima relevância para a vida humana e cujo interesse pela conservação deve prevalecer sobre o interesse estatal e privado de exploração de minérios”, afirma, em entrevista ao boletim do Instituto Vitae Civilis.

Ida ao Congresso preocupa
A complexidade da resolução do Conama sobre as APPS, assim como a da decisão do STF, não pára por aí. Se, por um lado, a suspensão provisória das discussões evita a aprovação definitiva de regras que ameaçam as áreas protegidas, por outro sua ida para o Congresso pode significar um retrocesso ainda maior. Os ambientalistas temem que os parlamentares ligados às empresas madeireiras, aos pecuaristas e ao agronegócio da soja (eles são muitos) consigam levar adiante a idéia de alterar o Código Florestal Brasileiro de modo a facilitar a realização de empreendimentos industriais e comerciais em áreas atualmente protegidas pela lei. A idéia conta com a simpatia explícita do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), entre outros.

A percepção de que um movimento iniciado no Congresso pode significar um retrocesso sério em nossa legislação ambiental faz com que o governo, mesmo reconhecendo que a questão das APPs é delicada e que as discussões sobre ela ainda podem ser aprofundadas, queira derrubar a liminar de Jobim e restituir ao Conama a prerrogativa de tomar decisões: “O Congresso pode acabar decidindo contrariamente aos interesses ambientais brasileiros. A resolução do Conama poderia resolver essas questões estabelecendo regras mínimas e seguras para intervenções nas APPs, garantindo a proteção do que ainda está preservado e a continuidade do desenvolvimento equilibrado”, afirma o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Claudio Langone.

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