Privataria tucana
Omitindo responsabilidade sobre a falta de investimentos no setor causada por fúria privatizante dos tucanos, governo do Estado parece ironizar a questão
O secretário de Energia do governo do Estado, José Aníbal, sugeriu uma saída para os apagões que devem continuar frequentes para os paulistas: que as empresas liguem seus geradores na hora do pico.
Tucanamente, o secretário de Alckmin repassa a solução à sociedade, esquecendo-se que o principal motivo é falta de investimento da CTEEP ex-estatal paulista privatizada pelos tucanos – para a construção de subestações de energia. E mais, resume os problemas causados pelo apagões somente às empresas, esquecendo-se mais uma vez do consumidor comum, que tem sua vida afetada pelo caos que se transforma o trânsito na cidade, com semáforos desligados, com os sistemas de trens e metrô paralisados e até com a falta de água, porque não há energia para o bombeamento da mesma até as residências.
A fúria privatizante dos governos tucanos demonstra suas graves consequências. Privatizações iniciadas na década de 90, justamente por Geraldo Alckmin, então presidente do PED Programa Estadual de Desestatização no governo Mário Covas. Só na área de energia foram privatizadas a CPFL, Eletropaulo/AES, Cesp Paranapanema, Cesp Tietê e a CTEEP.
Em artigo no jornal Folha de S. Paulo, nesta quarta-feira (16/2), o colunista Elio Gaspari, descreve sobre as consequências da privataria tucana e o descalabro do secretário José Aníbal de solucionar a questão da falta de energia elétrica com geradores.
Leia, a seguir, o artigo de Elio Gaspari.
O tucanato vendeu o patrimônio da Viúva e agora sugere que a patuleia compre geradores de energia
O secretário de Energia do governo de São Paulo, José Aníbal (PSDB-SP), anunciou que shoppings centers, empreendimentos comerciais e conjuntos habitacionais “vão ter que ter” geração própria para evitar apagões. Nas suas palavras:”Nos momentos de pico, eles saem da rede e fazem geração própria. Vai ter que trabalhar nisso. Isso não é só saudável do ponto de vista do conjunto do sistema, como é prudente do ponto de vista das insuficiências da transmissão da empresa que está aí. Vamos estimular”.
O que o doutor propõe é um salto para o século 19, com a criação de um sistema avulso de geração de energia elétrica, o “macrogato”. Um absurdo ambiental, porque os geradores queimam óleo diesel; econômico, porque o equipamento de um edifício residencial custa algumas dezenas de milhares de reais; e financeiro, porque o freguês gastará com a manutenção da máquina enquanto ela estiver parada.
Tudo isso e mais a pontual conta de uma energia que às vezes vem, mas pode não vir. Há 12 anos, quando o tucanato vendeu a Eletropaulo, prometiam-se rios de mel. Os novos donos fariam investimentos, o sistema melhoraria e todo mundo ficaria feliz, até porque a estatal se tornara um ninho de espertalhões.
Em 1998, a Eletropaulo foi vendida pelo preço mínimo porque um dos arrematantes, a AES, tinha um contrato de gaveta com o consórcio rival da Enron. O BNDES financiou os compradores e, já no governo petista, a AES não pagou uma dívida de US$ 336 milhões. Resolveu-se o calote espichando-se o prazo do empréstimo. (Entre 1998 e 2001, a AES remeteu aos seus acionistas internacionais US$ 318 milhões.)
A privataria tucana transformou-se na privataria petista, subordinando o Ministério de Minas e Energia, bem como a Aneel, ao aparelho dos companheiros-empresários.Por conta da decadência do sistema elétrico (“o melhor do mundo”, para o ministro Edison Lobão), pode-se estimar que haja em São Paulo algo como 20 mil geradores instalados até mesmo em restaurantes e edifícios residenciais. No Rio podem ser 5.000. Essa gambiarra degenera o sistema, remunera a inépcia e derruba a produtividade da economia. Num país onde os cidadãos pagam duas vezes pela educação e pela saúde (uma para a Receita e outra para a rede privada), o doutor José Aníbal apresenta a matriz energética do “gato”. Vale lembrar que o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, era o presidente do Conselho Diretor do Programa de Desestatização do Estado quando a Eletropaulo foi vendida.
O sistema elétrico brasileiro, como o ferroviário e o de telefonia, já foi privado, passou para a Viúva e retornou ao mercado. Em tese, o empresário presta o serviço, recebe tarifas, investe e remunera-se. Na prática, uma relação incestuosa entre os operadores e o Estado resulta no desestímulo aos investimentos e na degradação dos serviços. Nessa hora, se a empresa é pública, privatiza-se. Se é privada, estatiza-se. Na ida ou na volta, alguns maganos fazem a festa.
Quando o secretário de Energia de São Paulo sugere a criação de um “gato” de geradores, pode-se suspeitar que a estatização passou a ser vista como um bom negócio pelos concessionários beneficiados pela privataria.