Cracolândia: terra arrasada, corações feridos
Cracolândia: terra arrasada, corações feridos

Em nota conjunta, os setoriais de Direitos Humanos e Segurança Pública e as secretarias de Cultura e de Combate ao Racismo do PT, no Estado de São Paulo, denunciam a violação dos direitos humanos e da dignidade das pessoas nas ações implementadas pelo governo estadual e pela prefeitura da capital no território chamado de Cracolândia. Avaliando que o poder público atua de forma higienista e segregacionista, desconsiderando iniciativas exitosas de redução de danos e de garantia dos direitos à saúde, habitação e emprego, o documento apela para que o PT promova ampla discussão sobre o tema no sentido da construção de uma política de drogas eficaz que “produza uma sociedade pacífica sob a égide constitucional e do respeito aos direitos humanos”.

Cracolândia: terra arrasada, corações feridos

“Os Setoriais e Secretarias abaixo assinadas com objetivo de orientar a militância e sugerir a direção do Partido do Trabalhadores/as posicionamento acerca do que vem há anos ocorrendo no bairro da Luz em específico no chamado ‘Fluxo da Cracolândia’ como o maior território de inúmeras violações dos direitos humanos e da dignidade das pessoas em situação de sofrimento psíquico.

O flagelo que atinge as pessoas usuárias de álcool e outras drogas, em especial o crack e mais recentemente o ‘K9’, que permanecem na Cracolândia, atua no campo da construção de pensamento da sociedade da forma que mais fornece ações no campo do higienismo social do que no cuidado de saúde ou assistencial.

A miséria, a falta de dignidade, o sofrimento mental, o uso e abuso de substâncias, não podem ser tratados de forma a fazer rupturas com esse sujeito.

A internação involuntária (forçada) rompe vínculos do sujeito, descontinuando cuidados possíveis, e reforçando um ciclo de retorno a droga com um aspecto importante que é não estabelecer mais nenhum vínculo com o poder público. O poder público é quem pode ofertar um cuidado mais humanizado e possível de obter avanços.

Não podemos esquecer quantas pessoas e famílias saíram da Cracolândia com ações intensivas do Consultório na Rua, UBS e Caps com o programa ‘De braços Abertos’ do ex-prefeito do PT Fernando Haddad.

As experiências passadas de ações de redução de danos, tendas para higiene pessoal, alimentação, defensoria pública e comunidade local, como exemplo, em que muitas pessoas se beneficiaram dos hotéis de cuidados e famílias se formaram nesses espaços, se estruturaram e seguiram suas vidas fora do tão ‘famoso’ quadrilátero do ‘fluxo’ da Cracolândia.

Habitação, saúde, segurança, assistência social, educação e trabalho, devem apresentar propostas unificadas entre si para garantir que essas pessoas tenham acesso a esses direitos.

Na atualidade, há uma ação bem pujante na região por meio da Polícia Civil a mando dos chamados programas Recomeço da prefeitura e Redenção do governo do Estado, convictos de que somente a abstinência é tratamento possível, desconsiderando todas as ações de saúde mental exitosas com cuidados humanizados.

Recentemente, o Estado de São Paulo lançou ideias e medidas questionáveis para resultados que esperam alcançar, tendo a higienização com amplo apoio do município que retirou serviços de saúde, assistência, alimentação, trabalho e convivência integrados para aqueles usuários, e mais recentemente o governo do Estado retirou o “Bom Prato” do bairro Campos Elíseos.

Ao contrário, através da GCM e Polícia Civil impedem que ações humanitárias de distribuição de alimentos sejam realizadas por grupos religiosos.

A truculência como política estatal tem sido normalizada, com ações reativas violentas das vítimas, que são revitimizadas com mais violências até serem enquadradas no campo penal ao invés da saúde mental.

As ações policiais lamentáveis da “Operação Caronte” que durou dois anos, e que deteve cerca de 500 pessoas em nome do combate ao tráfico, apreendeu não mais que 20 mil reais e 5 Kg de drogas, sendo que 172 pessoas foram internadas em hospitais psiquiátricos, 6 em comunidades terapêuticas e o restante absolvidas na Justiça por falta de provas.

Mas tal ação policial espalhou o terror na cidade colocando usuários contra os comerciantes e vice-versa, ampliando o fluxo de uso e dificultando ações de saúde e assistência no centro de São Paulo.

Os discursos com narrativas rasas sobre o tema, a internação forçada tratando dos usuários como se não fossem sujeitos, sob a escusa de que a droga lhe tira o poder de discernimento é uma tese falsa, pois já foi demonstrado que apenas a detenção para tratamento forçado, desconsidera que após a reclusão o sujeito sem ter sido tratado em seu sofrimento psíquico volta à cena de uso.

O debate sobre os motivos do abuso de álcool e drogas não é feito com verdade, e o governo do Estado e o prefeito utilizam arcabouços retrógrados da compressão da condição humana no sistema capitalista, demonizando as drogas e seus usuários como responsáveis isolados pela situação.

A sociedade e a mídia empresarial querem respostas rápidas do Estado para que acabe a Cracolândia e o cenário de violência própria de um território abandonado, e invocam olhar de repulsa ao flagelo humano desconstituindo aquelas pessoas de dignidade e autonomia, apenas criminalizando sua existência.

Porém, não há saídas fáceis e resultados em curto prazo com utilização de violência da dignidade dos sujeitos, quebrando a constitucionalidade dos direitos individuais. É necessário se debruçar sobre novas narrativas que fortaleçam os vínculos dos sujeitos com os programas de acolhimento e emancipação. O poder público é o primeiro que deve estender a mão, e não o primeiro a dar o chute.

Talvez seja difícil que o município e o governo do Estado na conjuntura política em que são filiados, mudem de posicionamento, mas a militância e o PT não podem aceitar os resultados obtidos a base de tanta violência física e psíquica como assim revela o último relatório da Defensoria Pública de São Paulo.

As Comunidades Terapêuticas tão propaladas pelos conservadores, todo ano são alvos de constatação de incidência de práticas de tortura e violência psíquica e física. Não possuem ligações com a rede de saúde local SUS, muitos funcionários não são profissionais habilitados em saúde mental, e os que são habilitados, não são especializados para tratamentos para descontinuação do uso de drogas.

Por estas razões, através desta nota, vimos repudiar as ações da prefeitura e do governo do Estado pelas ações violentas que têm promovido na Cracolândia, e sugerir que o PT faça uma ampla discussão sobre o tema que tanto permeia opiniões na atualidade, para que seja construída uma política de drogas eficaz que produza uma sociedade pacífica sob a égide constitucional e do respeito aos direitos humanos.

São Paulo, 12 de abril de 2023.

Setorial Estadual de Direitos Humanos
Secretaria Estadual de Combate ao Racismo
Secretaria Estadual de Cultura
Setorial Estadual de Segurança Pública”

Foto: CartaCapital.

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