
O anúncio feito há alguns dias pelo secretário da Educação, Renato Feder, de que a rede estadual adotaria material didático próprio 100% digital causou perplexidade e indignação em educadores, estudantes e pais de alunos. A repercussão da decisão do governo paulista foi tão negativa que o secretário teve de voltar atrás e reformular a proposta, dizendo que o conteúdo será impresso. Porém, manteve a posição de não adesão ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
A deputada Professora Bebel promoveu, nesta segunda-feira, 14/8, na Assembleia Legislativa de São Paulo, debate sobre o assunto com especialistas, professores, estudantes e outros setores da sociedade civil. O tema da audiência pública foi Livro didático: pluralidade e liberdade de ler e aprender. Não ao boicote do PNLD.

“A gente não pode, sob hipótese alguma, aceitar que o Programa Nacional do Livro Didático, que foi estruturado ao longo de anos, seja escanteado pelo governo do Estado de São Paulo. Vamos ter cerca de R$ 120 milhões rasgados para imprimir uma apostila”, advertiu a Professora Bebel, destacando o trabalho meticuloso desenvolvido pelo MEC para selecionar livros didáticos com qualidade pedagógica e didática.
Para José Castilho Marques Neto, doutor em filosofia e professor aposentado da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a deputada Professora Bebel, “docente experiente e líder política importante que é, no Estado de São Paulo”, foi muito feliz ao juntar ao nome da audiência as ideias de pluralidade e liberdade de ler e aprender.
Apartheid
Esse é caminho, segundo o professor, que foi secretário-executivo do PNLL de 2006-2011 e 2013-2016, dirigiu a Editora Unesp por 27 anos, foi presidente da Associação Brasileira das Editoras Universitárias e da Associación de Editoriales Universitarias de America Latina y el Caribe (Eulac), o caminho mais pedagógico e educador de análise e combate da medida do governo de São Paulo de expurgar os livros didáticos, que ele classificou como uma “espécie de apartheid de alunos, professores e técnicos educacionais e administrativos da Secretaria da Educação de São Paulo”, frente à nação brasileira.
Fábio de Moraes, primeiro presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), classificou a determinação do secretário de crime pedagógico. “A maioria das crianças e dos jovens não tem em casa o computador ou tablets. Muitos sequer têm em suas casas um telefone celular. E o governo diz que vai implementar material 1oo% digital e que os alunos vão voltar para casa sem nada. Há total desconhecimento e falta de respeito com alunos e seus familiares. Eles não vão retirar os nossos livros didáticos porque são nossos. Eles passarão. Nós, passarinhos.”
Leandro Oliveira, coordenador do Fórum Estadual da Educação, disse que todas as entidades que participam do Fórum Estadual da Educação são unânimes ao dizer que é inimaginável e inaceitável o quer o governo do Estado de São Paulo tem feito com os estudantes e professores. Ele destacou a determinação aos diretores de escolas de fiscalização dos professores em sala de aula, desrespeitando o direito de cátedra, e agora, esse ato de desprezo ao Plano Nacional dos Livros Didáticos. “Acredito que o material didático tem de ser um complemento para a educação paulista”, afirmou.
Rogério Giannini, presidente do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo, disse que o livro didático é uma conquista da democratização do conhecimento e do ensino, que garante o acesso à pluralidade de ideias e à diversidade de gentes, povos e corpos. “Esse governo trata de forma fascista o processo educacional, escondendo fatos, com uma interpretação muito sui generis sobre o que acontece no mundo, tentando nublar o conhecimento. Temos de resistir com livros didáticos e ensino democrático.”
Educação libertadora
A representante dos estudantes, Luiza Martins, disse que a luta pelos livros didáticos não é contra a digitalização, mas contra a forma grotesca como ela está acontecendo aqui em São Paulo, envolvendo um contrato de mais de R$ 200 milhões. “A gente quer uma educação que seja inclusiva e de qualidade. Mas não é essa educação que Feder e Tarcísio estão o oferecendo. Eles estão na contramão de uma educação libertadora. Afirmam que não querem utilizar os livros do MEC por conta de uma tal ideologia de gênero.”
Segundo a estudante, o governo paulista atua para impedir o desenvolvimento de senso crítico. “Na escola precisamos aprender sobre democracia, sobre nossa verdadeira história, sobre educação sexual, inclusive para estudantes saberem o que assédio e o que não é. A gente precisa de avanço na educação, e não é com Feder e Tracísio que a gente vai conseguir isso. Os livros ficam e vamos defendê-los até o fim”, diz Luiza Martins.
O diretor da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (Umes), Raul reforçou a defesa dos livros didáticos. “Não tem como trocar o livro físico pelo digital. Todo professor e estudante sabem qual é a realidade da escola pública e o que ela sofre. Falta de material, ausência de estrutura até para uma aula normal. O que dirá utilizar somente material digital nas aulas. Trata-se de mais um ataque à educação, para combater a democratização e fazer com que os estudantes aprendam menos.”
Raul concluiu dizendo: “Nós, estudantes, não somos contra a digitalização, mas sabemos que Renato Feder tem relações claríssimas coma Multilaser, empresa que está por trás desses contratos de material digital. Não somos otários. Sabemos o que está acontecendo. Feder e Tarcísio não podem tratar o governo e a secretaria do Estado como se fossem a empresa deles.”
A deputada Professora Bebel disse que seu mandato em conjunto com a direção da Apeoesp vai propor a formar de uma comissão para analisar as apostilas produzidas pela secretaria. Da mesma forma como os livros didáticos são avaliados, queremos saber qual será o conteúdo dessas apostilas. Queremos saber que super conteúdo é esse que está sendo defendido pelo secretário. Para não brigar, vamos brigar pelo conteúdo. Vamos comparar a apostila com o livro didático para evidenciar as diferenças.
Rafaela Rosinha Cantarino, coordenadora do livro didático, do Ministério da Educação (MEC), responsável pela avaliação pedagógica do material didático falou sobre a análise minuciosa desenvolvida por especialistas para selecionar a grande quantidade de livros didáticos que chegam ao órgão por meio de editais.
Segundo ela, as esquipes de avaliação pedagógica são formadas, em sua maioria, por professores, mestres e doutores que trabalham com muito afinco para que a qualidade do livro didático seja respeitada, para que tenhamos livros robustos, com temas abrangentes e adequados aos anexos pedagógicos produzidos pelo MEC e aos requisitos de habilidades e competências a serem desenvolvidas no processo de aprendizagem das diferentes áreas do conhecimento.
“É bom lembrar que o Plano Nacional do Livro Didático é uma das maiores políticas do Brasil e do mundo em relação ao volume e sua efetividade, tanto de distribuição quanto de avaliação. Trata-se da política educacional mais antiga que temos no país, com 85 anos de funcionamento”, lembrou Cantarino.
Todos os materiais são muito bem analisados. Temos plena certeza da qualidade e do cuidado com essa política. Trata-se de uma política robusta a abrangente. Um programa extremamente democrático, que chega a todos os lugares. São livros didáticos, livros literários e também os recursos didáticos digitais, que também são importantes. Precisamos trabalhar com eles, mas tudo precisa ser trabalhado como uma engrenagem. Temos de ter livros didáticos e recursos didáticos digitais para que os estudantes possam manusear e usar esses materiais, ver, entender, interagir e ter o direito ao conhecimento de forma ampla e irrestrita.
Participaram, ainda, da audiência, o deputado Eduardo Suplicy, o educador João Palma; Nadja Cezar Ianzer Rodrigues, coordenadora-geral dos Programas do Livro, do Ministério da Educação; Ângelo Xavier, presidente da Associação Brasileira de Livros; Cibele Lopresti, autora de livros didáticos; Sevani Matos, presidente da Câmara Brasileira do Livro; Rosaura Aparecida de Almeida, do Sindicato dos supervisores de Ensino do Magistério Oficial no Estado de São Paulo (Apase), e Neusa Santana Alves, Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza, cuja catetoria, que se encontra em greve, recebeu apoio da deputada Bebel e das entidades presentes.
Na próxima quinta-feira, 16/8, às 16h, estão todas e todos convidados para o abraço simbólico à Secretaria da Educação, na praça da República, centro de São Paulo. Leve um livro.