
Educadores, supervisores e estudantes participaram de audiência pública sobre a reforma do ensino médio, coordenada pela deputada Professora Bebel, nesta quinta-feira, 16/3, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Representantes de entidades da educação, do ensino técnico, de centrais sindicais e de escolas públicas paulistas defenderam a imediata revogação do novo ensino médio, que alterou a grade curricular e a carga horária dos últimos três anos da educação básica.
No modelo em vigência, os alunos da escola pública paulista passaram a ter apenas 3 aulas semanais de Língua Portuguesa e 2 de Matemática. As demais matérias compõem os diversos itinerários formativos, com conteúdos optativos e variáveis em cada escola ou região. A mudança também diminuiu a carga horária de disciplinas como sociologia e filosofia.
A deputada Professora Bebel frisou que o debate sobre esse tema emergente está sendo doloroso, pois se trata de um modelo excludente de ensino médio que impacta o futuro de milhares de estudantes. “Queremos que os estudantes tenham acesso a todas as etapas do ensino em idade própria. Vivemos um momento de mudanças e vai haver mudança do ensino médio. São Paulo tem de dar o exemplo, porque foi aqui que se criou o laboratório de tudo de ruim que aconteceu na educação brasileira nos últimos anos.”
Bebel informou que a taxa de reprovação no ensino médio em São Paulo atingiu 15,4 %, superando a média nacional, que é de 13,1%, segundo dados publicados pelo INEP referentes a 2021. “A revogação do novo ensino médio é necessária para garantir que os filhos e filhas da classe trabalhadora sejam de fato incluídos no sistema educacional. Fazer o corte de classe é fundamental. Se os mais privilegiados entenderem que isso é bom para eles, que venham jutos também. Aí sim teremos uma educação de qualidade.”
Educação igualitária
O deputado Eduardo Suplicy participou da audiência para demarcar que seu mandato fará a defesa ininterrupta da educação pública igualitária e de qualidade. “Muito me preocupa que disciplinas fundantes, como português e matemática, não tenham uma carga horária mínima pré-estabelecida e sejam, de fato, diminuídas, conforme relatos de várias escolas. Apesar do pretenso aumento da carga horária, o novo modelo permite que os itinerários formativos possam agrupar, no mínimo, mais do que o equivalente a um ano letivo, sem que, no entanto, os alunos tenham a garantia das bases curriculares tradicionais.”
Suplicy entende que, de forma geral, o ensino público voltado para o mercado de trabalho deixa muito clara a construção de um projeto de país em que os mais pobres continuarão tendo as piores posições e remunerações, enquanto os mais ricos terão cada vez mais acesso exclusivo ao ensino superior público.
Escola para pobres
Douglas Izzo, presidente da CUT Estadual, defendeu a revogação imediata do novo ensino médio, expressando o posicionamento da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Segundo ele, o novo modelo retoma o mesmo debate de reorganização do ensino da década de 1990, defendida por Rose Neubauer, então secretária da Educação de São Paulo. Agora, a proposta reaparece numa nova roupagem. Mas é a mesma coisa, porque esse novo ensino médio exclui as disciplinas de filosofia, sociologia, artes e educação física e aponta para a sociedade brasileira uma escola modelada para os pobres, na qual os conteúdos deixam de ser propedêuticos, preparatório para a formação superior, para ser o que ninguém sabe exatamente o quê.
Escolha não eficiente
A estudante Kelyn, da Escola Carolina Cintra da Silveira, do bairro Capão Redondo, disse que os alunos estão sendo prejudicados. “Acredito que o novo ensino médio foi criado até com boas intenções, mas isso nos comprometeu muito. Foram retiradas muitas matérias que eu considero importantes, como História e Geografia. Não acho que tenha sido uma escolha eficiente.” Ele avalia que os itinerários formativos tomam muito tempo dos alunos. O que faz com que não sobre tempo para as matérias básicas, como português, matemática e língua inglesa.
O professor Leo, da Escola Carolina Cintra da Silveira, acrescentou que os itinerários formativos não, estão na realidade, formando os alunos. “Eles estão fazendo com que nossos alunos não consigam ingressar nas universidades públicas, porque eles não estão tendo a oportunidade de aprender. Onde um aluno consegue aprender, com apenas duas aulas semanais, os conteúdos de português e de matemática num terceiro ano do ensino médio e estar preparado para o vestibular? Essa exclusão não tem cabimento.”
A supervisora de ensino na Secretaria da Educação, Rosaura Almeida, disse que o que está em disputa é o futuro das novas gerações. Se as escolas públicas respondem por 85% das matrículas, é o futuro da nação que está em jogo. “Essa reforma do ensino médio, que é a etapa final da formação obrigatória, visa conter o acesso ao ensino superior por meio da precarização do ensino prestado pelo estado. A reforma engessa o currículo, ao mesmo tempo em que reduz a carga horária da formação básica integral, porque apenas 40% pode ser de uma base comum a todos os estudantes, restando os outros 60% para os diversos itinerários, que via de regra não oferecem opções variadas e de qualidade aos alunos.”
Manifesto pede revogação
O vice-presidente da Apeoesp, Fábio Santos de Moraes, disse que a elite brasileira quer que a educação seja um instrumento de dominação. “Mas nós não vamos permitir”, afirmou, antes de fazer a leitura do Manifesto pela Revogação Imediata da Reforma do Ensino Médio, instituída pela Medida Provisória 746, de 2016, do governo de Michel Temer, assim como da Base Nacional Comum Curricular, aprovada durante o governo de Jair Bolsonaro.
Segundo o documento, o chamado currículo a la carte não atende os interesses dos filhos e filhas da classe trabalhadora, que são os principais usuários da escola pública. Na realidade, o chamado novo ensino médio representa um grande retrocesso em todos aspectos que envolvem a autonomia intelectual e a inclusão social. “A reforma amplia o abismo existente entre as escolas públicas e instituições privadas. Na prática, temos uma escola pobre para os pobres e a escola de qualidade para os ricos.”
As entidades que subscrevem o manifesto cobram do Ministério da Educação um amplo debate com a sociedade para que seja construída democraticamente uma proposta para o ensino médio verdadeiramente participativa e inclusiva.
Fotos: Alesp.